Duna: O Não Messias

For english readers: Dune: Not the Messiah

Começo esse texto definindo de onde o escrevo. Fé, religião e messianismo fazem parte do meu dia a dia. Sou cristão, protestante. Nos últimos anos, inclusive, minha carreira como cineasta tem se desenvolvido em meio a esse contexto. Vamos a Duna, as duas partes como um todo. 

Duna, como tantas outras produções, apresenta uma narrativa recheada de signos e referências messiânicas. A ideia de um salvador, profeta que irá salvar a humanidade aparece em Star Wars, Avatar e tantos outros títulos. O que para mim só evidencia a busca da humanidade pela salvação.

Esse é o ponto que torna os heróis e suas jornadas mitológicas tão irresistíveis ao público. Lembro de Campbell. A possibilidade de alguém do cotidiano, ter uma jornada transformadora e obter uma vitória decisiva. O herói, salvador, messias. 

A história de Frank Herbert não é nada sutil nas referências religiosas. Os filmes de Denis Villeneuve são ainda mais explícitos. As Bene Gesserit, freiras macabras, tem um plano de poder próprio para além do imperador. Os fiéis são manipulados a ponto de lutarem por uma guerra santa. Textos ditos como proféticos são usados a torto e a direito. Paul e Jessica usam o medo e a religiosidade para executarem a vingança da casa Atreides.

Paul entretanto, assim como Moisés, Davi e tantos outros salvadores de pátria e povos, estava fadado a falhar. O grande amor de sua vida, Chani, representava um caminho. Continuar lutando, se mantendo fiel à essência. Mas Paul nunca teria sua vingança e nunca derrotaria a opressão dos Harkonnen. E aqui Timothée Chalamet brilha, na mudança de tom que ele dá a Paul, quando ele aceita seu destino.

A condição humana vence. Não há escolha. Não há escolha entre o bem e o mal, não há livre-arbítrio. Paul cede ao poder para dar um golpe final no imperador e nos Harkonnen, sendo um (Paul tem sangue Harkonnen). Ele oprime, usa os fiéis (Fremen) e inicia sua guerra santa. Vai de realeza a fremen; e fremen a realeza. Como todos os ditos messias, a narrativa bíblica apresenta isso várias e várias vezes; ele volta a sua condição original, ainda que amadurecido. É cíclico. Ele perdeu. Ele perdeu seu verdadeiro eu. Perde Chani (aqui uma diferença do filme para o livro, que não me incomoda). Zendaya arrasa. Um final triste que me fez marejar os olhos e demorei a digerir. 

Paul é um anti-herói. Sua jornada é falha. E isso hoje é sinônimo de complexidades e personagens contraditórios. Aliás, a quantidade de anti-heróis que temos nas produções está cada vez maior. Mas é óbvio! O mundo real está desesperançoso e os critérios para messias precisam ser rebaixados. Buscamos personagens cada vez mais realistas, humanos, pois são impossíveis e não críveis os heróis. E como é a condição humana? Imperfeita, pecaminosa. 

Vi vários comentários falando sobre essa relação Messias, Poder, Religiosidade, Fé e Guerra. Fundamentalismo (como fanatismo religioso e extremismo). Um ou outro, inclusive, associado cristãos ao Fremen e como podemos ser manipulados por alguém com um projeto de poder. E aí Pedro? A carapuça não serviu? 

Vamos lá. A religiosidade e a Fé emotiva expõem os fiéis a esse tipo de situação. A Fé racional, que busca discernimento, leva a outro caminho. Eu desejei que Paul fosse uma representação do meu messias, mas não tinha como. Jesus, o messias cristão, como Paul, possuía sangue real. Mas aqui acabam as comparações. 

Jesus rejeitou o poder político e militar. Foi contra a religiosidade. Ele foi rejeitado pelo seu povo. Ele era homem e Deus. Venceu o pecado. Sacrifício perfeito. Ele tinha escolha e escolheu morrer. Ele ressuscitou (Paul, quando tomou líquido azul não morreu, os sinais vitais estavam indetectáveis como disse Lady Jessica). Não houve guerra santa. E notem, que uso termos no passado. O Messias cristão já veio e a salvação já é realidade. Os cristãos aguardam a segunda volta e essa é uma diferença fundamental. 

Duna me faz lembrar da minha condição humana e de como eu, ou qualquer outro homem, seria incapaz de salvar alguém, quiçá uma pátria ou povo. Não li ‘’O Messias de Duna’’, não sei para que rumos a história toma. Mas até aqui são essas palavras que vagaram na minha mente. É uma obra poderosa. Visualmente incrível. Poderia escrever sobre a mise-en scene do Villeneuve, de como a fotografia do Greig Fraser é maravilhosa e a trilha do Hans Zimmer capta o tom melancólico do fim. Poderia escrever sobre como é bom ter um filme espetáculo, que vai transcender gerações. Poderia escrever das mudanças com relação ao livro. Mas escolhi escrever sobre O Messias. 

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